sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Agora todo mundo tem saudade de sentir calor o ano todo em país tropical. Naquele tempo todo mundo falava que a terra tava esquentando, efeito estufa, aquelas teorias superadas sobre o aquecimento. Se alguém ao menos citasse que o sol estava entrando num período de resfriamento era taxado de reaça. Teve gente que nunca se preocupou com um lado, se ocupava em estar à sombra e mesmo agora, com o frio reinando, nêgo piora.

Assim, alguns sempre se preocuparam em fazer seus semelhantes acordarem. No meio daquele pessoal desocupado que gosta de arte e cultura, alguns faziam movimento pra espalhar a “quebradeira consciente” e outros só queriam ir na onda mesmo. Eu mesmo não era nada, mas tinha amigo dos dois lados, muitas vezes o sujeito tava dos dois lados – simultaneamente engajados e desbunbados. Do pessoal que conheci naquela época, havia entre eles, vendedores ambulantes, autistas, instrumentistas, ervo-afetivos e vândalos das palavras. E tinham uns  cozinheiros bêbados faziam um som mauzão, com outras pessoas que não eram nem cozinheiros e nem bêbados. Era o projeto Aji Panca, encabeçado por um gordo mineiro e um alemão e um naco de gente legal. Pena, acho que todo mundo bateu as botas. Não duraram nem duas décadas depois do fim do calendário maia.

Lançaram um disco triplo pouco antes da última Copa de futebol e a última Olimpíada da história – tudo no Brasil, “país do futuro”. Pouco tempo depois, com a escassez da luz solar nas extremidades do globo, veio o dilúvio. Tempo gelado o tempo todo, Europa, América do Norte e norte da Ásia nunca viram tanto ser humano morrer congelado. Pane na energia elétrica e o sistema financeiro desmoronou junto. Os geeks viraram os novos donos do mundo e os bit-coins passaram a ser mais forte que o dólar e o ien juntos. Ao destruir as bolsas de valores de todo o planeta, passou a ser a única moeda aceita em todo o planeta – e só existe virtualmente.

Acho que o cara do Aji Panca que morava na Alemanha voltou pro Brasil e produziu freneticamente até morrer. Mas a questão é que esse pessoal do Aji Panca, cada um foi pra um lado e ninguém nem escutava o som dos caras mais –até parece que antes era uma massa de gente.

Passaram uns anos e foi aparecer este Sombrio, que foi o primeiro rapper do Brasil a estourar no mundo inteiro. Sombrio não fez nada de novo, só mesclou rap, punk, metal e MPB sombria. Todo mundo queria copiar o cara e saber de onde vinha essa onda. Sombrio era um moleque quando começou a baixar o pessoal do Aji Panca na mesma época que começou a escutar Black Alien, Public Enemy, Sabotage e Wu-Tang Clan. O cara nunca comprou um CD na vida, veio de uma geração que tem outra relação com música. 

Gravar não é necessariamente pra virar hit, muito menos pra ganhar dinheiro. Gravar é pra encontrar os amigos, catar um beat, modificá-lo, fazer uma rima e registrar um som.

Ao registrar em pequenos depoimentos alguns desses sujeitos com quem convivi quando o mundo ainda era um lugar quente, tento congelar um pedaço do mundo quando era quente;

- Tinha o bicicleteiro, que também era pichador e grafiteiro. Mascarado profissional em manifestações, especialista em proteger os desavisados no meio da multidão, tanto que pela sua solidariedade, chegou a ser preso dezenas de vezes. Depois de pintar 5000 km de estrada por dezenas de capitais do Brasil com sua bicicleta, foi alvejado pela tropa de choque.

- Teve um que virou tradutor simultâneo  profissional, trabalhava na universidade de Teerã. Gostava tanto de rap que morreu cantando no palco;

- Outro, que também foi pro Oriente era só MC e skatista mesmo, antes de partir desta pra melhor, mudou de nome para Mohamed Adin;

- O mais sem noção montou um coffe shop no Uruguai e depois de ficar em coma por conta de um choque de microfone no estúdio, pirulitou engasgado com um camarão da Nigéria;

- Teve um que descansou embaralhado no baralho e no copo de cachaça;

- Tinha um que era muito forte e corajoso, que foi comido por um dragão de Komodo. Isto aconteceu quando ele era refém de uma emissora pirata que o sequestrou para participar de um reality show snuff;

- Pra ver que nego foi longe, só lembro agora de um que fez a criogenia de seu corpo em 2033. Ele só teve dinheiro pra fazer isto porque era traficante de HD cerebral que comprava no sul da China.



Para quem quiser escutar o Aji Panca - ajipanca.bandcamp.com