quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Orson Welles Filmou Um Clássico No Brasil - Será Verdade?



Na década de 1940, a política da boa vizinhança foi instituída pelos Estados Unidos para poder consolidar seu poderio econômico e hegemonia cultural em países da América Latina (ou seja, o Brasil e o restinho da América). Ao norte do hemisfério já era Carmen Miranda quem havia se tornado a mais bem-paga atriz dos Estados Unidos através de seus honorários em direitos autorais de chapéus, roupas e tamancos.

Aqui no Brasil, no dia 13 de fevereiro de 1942, Orson Welles aportou para filmar dois episódios de It’s All True (É Tudo Verdade). O primeiro era sobre o carnaval e suas influências como samba e candomblé; o segundo é uma história feita em homenagem a quatro jangadeiros cearenses que realizaram uma façanha homérica. No ano anterior, Welles havia lido na revista Time uma reportagem sobre a travessia por mar de 1000 milhas feita pelos jangadeiros de Fortaleza Manuel Olímpio (o Jacaré), Jerônimo de Sousa, Raimundo Lima e Pereira da Silva para a então capital federal Rio de Janeiro. Foram pedir providências a Getúlio Vargas sobre os seus direitos previdenciários – que o ditador prometeu dar e não cumpriu.

O problema deste filme, rodado durante seis meses de 1942 e nunca lançado, é que ele foi dirigido por um dos mais influentes cineastas do século XX, o polêmico Orson Welles. Parece que o gênio, então com 26 anos, comprou briga com Getúlio Vargas e Nelson Rockefeller. E isto aconteceu logo após ele ter adotado Hollywood como seu autorama particular para experimentações, levantando a ira de celebridades e chefões.

É Tudo Verdade tentaria desmontar o estereótipo hollywoodiano do negro e do latino-americano. Ele iria tentar conectar a história desses povos à cultura negra norte-americana durante o segmento final (a única parte do filme que não chegou a ser filmada) estrelado por Louis Armstrong que contaria a gênese comum do samba e do jazz...

Um motivo implícito pelo qual o diretor de Cidadão Kane - um dos mais influentes filmes de todos os tempos - ter vindo parar no Brasil foi estar sendo perseguido pelo biografado no clássico, Willian Randolph Hearst, dono de um império midiático naqueles tempos, o grupo Time. As revistas de fofoca cinematográfica de maior circulação nos Estados Unidos naquela época pertenciam a Hearst que, através de chantagens com Hollywood, conseguiu plantar o nome de Welles na lista dos comunistas de carteirinha que o FBI já investigava uma década antes da caça às bruxas.

E você acha que Welles chegou aqui e foi andar com quem? Vinícius de Morais, recém-admitido embaixador no Itamaraty foi um que não saía de perto do ícone. Herivelto Martins e Grande Otelo além de companheiros de filmagem eram companheiros de noitadas em favelas cariocas. Herivelto (diretor musical) e Otelo (personagem principal de um dos segmentos) estranhavam a atitude do gringo que enchia a cara de cachaça até às cinco da manhã e às oito horas exigia a presença de todos no set de filmagem. Os brasileiros levavam rotina de Cassino da Urca e nunca acordavam antes do meio-dia, o que levava Welles à beira de um ataque de nervos.

Mas foi a simpatia do cineasta americano pelo jangadeiro Jacaré o que realmente incomodou o governo brasileiro, pois Jacaré estava sendo acusado justamente de...Comunista pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda da ditadura Vargas). Quando Welles filmou os quatro jangadeiros originais numa re-encenação da viagem feita no ano anterior do Ceará-Rio de Janeiro, Jacaré acabou falecendo num trágico acidente na Baía de Guanabara. Welles ficou comovido e mais determinado que nunca, criou outro segmento contando as trágicas condições em que os jangadeiros cearenses viviam naqueles tempos.


Pra tentar mudar a maré, saiu do Rio e foi morar em Fortaleza por mais de um mês, onde rapidamente escreveu e dirigiu o roteiro enquanto convivia e filmava cenas com pescadores que nunca haviam visto um filme na vida. Com apenas dez mil dólares no bolso, retratou o cotidiano daquela gente sofrida, o trabalho das mulheres tecelãs, e encenou a morte de um jangadeiro no mar, seu funeral na aldeia e o futuro incerto de sua jovem viúva. O diretor não terminou de editar a obra, pois o filme foi confiscado pela RKO, que depois foi vendida para a Paramount. Onde em 1958 uma funcionária teria queimado a maior parte dos rolos em Technicolor na sequência de It's All True onde Grande Otelo aparece. Aparentemente a ordem tinha origem no medo dos estúdios serem processados por direitos autorais em filmes não-lançados. Será verdade que não sobraram tomadas das cenas com Grande Otelo?

A sequência supostamente destruída de É Tudo Verdade contava a origem do carnaval carioca e foi filmada em vários locais da cidade. A Praça Onze, que havia sido demolida no ano anterior para dar lugar à Avenida Presidente Vargas foi reconstruída em estúdio, fato que obviamente levantou a ira do ditador. Outros segmentos filmados na então capital federal tiveram palco no Cassino da Urca, local bastante frequentado por Welles, onde até teve calorosos romances, como a cantora Linda Batista.

Já escutei pessoas dizendo que a tomada mais bonita desta sequência mostra um ritual de aquecimento de tamborins de couro de gato recém-esticado numa enorme fogueira. No documentário É Tudo Verdade de 1993, o filho de Herivelto Martins, Peri Ribeiro, que contracenou com Grande Otelo no filme, diz que Welles fez o que nenhum outro homem havia feito pelo Brasil: mostrar o país como realmente era - o que acabou sendo o motivo do fracasso do projeto.

Otelo e Peri.

A carreira de Welles ficou manchada pelo fato de terem lhe dado um milhão de dólares para gravar um filme que só não terminou por birra dos próprios estúdios. E será verdade que também por censura do governo brasileiro?

Welles comentou em entrevista ao crítico de cinema, André Bazin: “ (...) fizeram outra versão, modificando todas as idéias e refazendo tudo ao modo deles. Eu tinha rodado durante seis meses, mas o estúdio RKO me despediu”.

Com o passar dos anos, ele não teve mais propostas de controlar um projeto em seu próprio país e em 1946 já estava morando na Europa. Recentemente, em 2009, uma ex-secretária do governo brasileiro me contou que na década de 1950, viajou num avião fretado por Assis Chateaubriand para ir numa festa em um castelo nos arredores de Paris. De repente ela pisou num bêbado que estava obstruindo o caminho deitado no chão. Veio a saber mais tarde que o bebum era Orson Welles.

Os brasileiros sempre tiveram ótimas impressões do cineasta que veio aqui e enturmou-se com a cultura local, tomava todas com os artistas e exaltava o sentimento ufanista em voga pelo Estado Novo narrando o aniversário do presidente em programa de rádio ao vivo para os EUA. Welles chegou inclusive a marcar território em Itabirito, Minas Gerais, onde parou o carro para urinar à beira do rio Itabira, próximo onde hoje existe um busto seu, feito pelo artista local Genin Guerra.

Momentos itabiritanos: água no joelho e busto.

Apesar de ter feito seu meio de campo tão bem no país do futebol, anos depois Welles confessou a seu amigo Paul Mazursky que quando foi enviado para cá, o último país do mundo que gostaria de ter ido seria o Brasil.

Já o filme É Tudo Verdade ficou perdido por mais de 60 anos, até que um estudante de cinema da UCLA (Universidade da Califórnia) encontrou os rolos ainda sem editar num arquivo da RKO. Mesmo assim, It’s All True não foi lançado até hoje, verdade?

Em 1993, Bill Krohn, Myron Meysel e Richard Wilson vieram ao Brasil saber como andavam os jangadeiros e Grande Otelo. O resultado é o documentário homônimo It's All True onde montaram o segmento Quatro Homens Numa Jangada com trilha sonora nova.

Aqui um trecho do filme - sem legenda - onde o diretor expõe sua vontade em terminar o filme:



Como o filme não é encontrado em DVD e muito menos para baixar com legenda em português, dois nerds piratas resolveram traduzir a legenda do espanhol para compartilhamento livre.

Link da legenda. Em breve o torrent - por enquanto o filme está apenas no dreamule num arquivo de 705 Megabytes com o nome Orson.Welles.-.It'S.All.True.-.Lost.Film.Footage.(En.Divx.Mp3).Prov.By.Tastemaker.Rip.By.Richter )

Há diversos trabalhos acadêmicos e obras cinematográficas sobre It's All True - o filme que não aconteceu - incluindo um curta ficcional americano e três do cineasta brasileiro Rogério Sganzerla - Nem Tudo É Verdade (1986), Tudo É Brasil (1997) e O Signo do Caos(2005). Uma obra escrita sobre o tema é It's All True: Orson Welles' Pan-American Odyssey, de Catherine Benamou, professora no departamento de estudos étnicos da Universidade de Michigan. Em 2006, a professora disse que nos arquivos da UCLA, na Califórnia, repousa vasto material ainda não devidamente preservado e editado dos três primeiros episódios.

O catálogo da Cinemateca Brasileira acusa uma cópia do filme. Será verdade? Resta aos nerds ir investigar. Por mais que pareça mentira, a verdade é que ninguém ainda viu o It's All True de 1942...

Breve aqui, a coletânea Orson Welles e o Samba-Verdade...


Texto elaborado por João Perdigão e minha amiga dalém-mar, que escreve no blog arthropophagyas (lá você encontrará a versão em inglês desse texto).





sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Você é Tilelê?

Hoje fui ao Google e pesquisei sobre "movimento tilelê", só encontrei duas referências. Já tinha pensado em escrever sobre o tema, mas tive medo. Hoje fui num show do gênero, categorizei alguns aspectos e tomei coragem. Espero não ser mal compreendido em minha análise social.

É um pessoal que gosta de ouvir som de batuque. Não é deboche, é constatação. Definitivamente não é o que eu escuto, mas claro que já fui em diversas festas do gênero. E escuto coisas que têm estas influências sim. Contrariando o que pensei que fosse ver, gostei de ir lá, gente bonita e sorridente.

O uso do termo tilelênico se dá em Minas Gerais, onde a cantora Titane compôs uma música com um refrão onomatopeico de Tilelê pra lá e Tilelê pra cá. Daí Maurício Tizumba e uma geração de músicos montanheses adotou o estilo - de Marina Machado a Tambolelê, Sérgio e Saci Pererê.

Os Tilelê não gostam ser chamados assim, pois a sonoridade de seus tambores não carrega apenas influências de Clube da Esquina, mas também dos batuques maracatônicos pós-Chico Science...

Listinha de costumes-base do Movimento Tilelê - em constante transformação:

01) Entender sobre tambores dos mais variados timbres e sempre citar Naná Vasconcelos como o maior percussionista do mundo;

02) Exaltação da cultura afro, assim como a exaltação nacional do seu estado;

03) Dread ou lenço na cabeça (homem ou mulher) - ou dread + lenço tudo junto;

03) Roupa branca ou colorida - saia ou calça de chita;

04) Somaterapia (Capoeira e a Anarquia como religião)

05) Esquerda Festiva - galera sempre presente nos Foruns Sociais Mundiais ou congressos universitários em geral;

06) Santo Daime;

07) Você não odeia Axé Music;


09) As pessoas costumam dançar alegremente como se lhes tivesse baixando a própria Pombajira naquele momento...

10) Hippie-chic-maracatu e até mesmo pessoal do trance e do forró...