Pra finalizar a saga gainsbourgiana, não poderia deixar alguns aspectos da vida do senhor da canção francesa passar batido. Como assim canção francesa? Serge Gainsbourg pode ser considerado um vanguardista popular mundialmente falando, pois já na década de 1960, fazia um liquidificador sonoro repleto de temas sexistas e escatológicos em sua influente obra. Por exemplo? Tinha uma música chamada "O Furador da Passagem de Metrô" e um disco com o nome de "O Homem com a Cabeça de Repolho" que, relevante notar, na foto ao lado há um repolho e passagens de metrô jogadas em seu túmulo como lembranças ao finado. Já que suas letras nem sempre faziam muito sentido, demorou a fazer sucesso em seu próprio país. Quando estourou o disco de reggae no fim da década de 1970 é que seus discos anteriores foram resgatados como clássicos, e, aí sim, começou a vender de verdade.
Pois quando ele apareceu, o iê-iê-iê estava dominando as paradas do mundo todo e, como bom francês, se negou a seguir tendências do que acontecia pelos países anglo-saxônicos. Nunca alcançou sucesso nem na Inglaterra nem nos Estados Unidos enquanto vivo, mesmo tendo se casado com a atriz Jane Birkin (dela indico o clássico Blow-Up, de Michelangelo Antonioni, em que aparece deliciosa no papel de uma groupie fanática pelo fotógrafo-protagonista).
Ah, existem dois discos de tributo a ele, um de 1997, chamado Great Jewish Music - Serge Gainsbourg, só tem duas músicas boas, com excesso de nomes alternativos e esquisitos, mas ao menos todas são cantadas em francês. EMonsieur Gainsbourg Revisited, de 2006, repleto de bandas americanas e inglesas indiezinhas fazendo covers em versões traduzidas para o idioma dominante. Um desastre, salvo raríssimas exceções.
Existem alguns álbuns dele que não se pode esquecer, como Aux Armes et Cætera (1978), inteiramente gravado na Jamaica com apoio dos papas rastafari, Sly Dunbar na bateria, Sticky Thompson na percussão, Robbie Shakeaspear no baixo e das I Threes fazendo backing vocals. Certa vez ouvi uma história interessante, que não tinha na biografia, não sei se é verdade, mas vou contar assim mesmo. A integrante das I Threes, Rita Marley, cantou suas partes no disco direitinho, mas quando seu marido, o pacífico Bob Marley, ficou sabendo do conteúdo das letras, quis matar o cantor francês, que felizmente já tinha retornado pra casa. Porém, a verdadeira polêmica deste disco se sucedeu na França, quando os versos iniciais da faixa título do álbum foram ressoados neste reggae; “Allons enfants de la patrie / Lê Jour de gloire est arrivé”; pra nós, mortais que não falamos francês não é nada, mas isto é a introdução da Marselhesa, o hino dos galeses. Foi uma afronta do tamanho de God Save the Queen, dos Sex Pistols ou do Star Spangled Banner sarcasticamente levado por Jimi Hendrix em Woodstock.
Histoire de Mellody Nelson (1971) é um álbum temático sobre o amor de um homem mais velho por uma ninfeta, considerado pela maioria dos fãs como a obra máxima de Serge. Já eu, pessoalmente prefiro Bonnie & Clyde (1968), que ele escreveu para Brigitte Bardot na época do filme hollywoodiano homônimo, grande sucesso naquela época.
Ironicamente, um dos mais famosos discos do cantor filho de imigrantes judeus russos nascido na França é uma afixação pelo nazismo. Ninguém poderia brincar tanto com o tema quanto Serge, pois viveu sua infância afligido pela matança de seus semelhantes, fingindo ser católico. É outro disco temático, quase um psychobilly, repleto de perversão e sanguinolência, nos moldes de Rocky Horror Show, denominado Rock Around the Bunker (1975).
Sempre compôs músicas para as grandes divas da canção francesa enquanto viveu, desde Brigitte Bardot, Françoise Hardy, Juliette Greco, a Catherine Deneuve, passando por Vanessa Paradis (a Vou de Táxi original, lembra?).
Aqui, uns fatos interessantes para ilustrar o balaio de gatos que era a vida dele. Pra começar, escreveu uma auto-biografia quase dadaísta, em forma de paródia, onde a personagem principal, que dá nome ao livro, Evguénie Sokolov, é um super-herói que adquire o sucesso através de flatulências. Claro que o livro foi massacrado pela crítica, mas deve ter rendido boas piadas, com certeza. Organizava, junto do pintor surrealista Salvador Dali, amostras de filmes bizarros só para amigos e policias, que eram seus companheiros de porre pela madrugada de Paris quando ninguém atendia seus telefonemas. Até Leão de Prata no festival de cinema em Cannes ele recebeu por dirigir um comercial para produtos de cozinha. Só não falei que ele era formado em Belas Artes e fissurado nas vanguardas artísticas do século XX. A sorte é que seu pai, que era pianista na noite, arrastou o filho para tocar em bordéis nada amistosos no subúrbios de Paris, o resto todo mundo já sabe.
Então, deixo uma palha do original Gainsbourg com a então amada Bardot, em versão art pop trash;
2 comentários:
Simpatizei um tantão pelo seu blog ehehhe
layout, texto, conceito, enfim :)
passarei aqui mais vezes
bjs
Legal, vou procurar pelos discos que você falou, pois só conheço o Melody Nelson.
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